As eleições para presidente e vice-presidente do Comitê Olímpico do Brasil vem repercutindo nos bastidores do esporte. Isso porque o atual mandatário da entidade, Paulo Wanderley, protocolou sua candidatura e irá concorrer a um terceiro mandato, fato que pode comprometer o desenvolvimento das modalidades olímpicas no País.
A eleição está marcada para o dia 3 de outubro na Assembleia Geral, que será realizada no Centro de Treinamento do COB, na zona oeste do Rio de Janeiro.
Paulo Wanderley era vice-presidente de Carlos Arthur Nuzman, que renunciou ao cargo após ser preso em 2017, alvo de um braço da Operação Lava Jato que investigava um esquema de compra de votos para o Rio de Janeiro sediar as Olimpíadas de 2016.
Com o afastamento e, posteriormente, a renúncia de Nuzman, Paulo Wanderley tomou posse como presidente, cumprindo o restante do mandato em questão. Em 2020, ele concorreu pela primeira vez como candidato à presidência e venceu as eleições, iniciando um segundo ciclo de gestão.
Agora, porém, a nova candidatura de Paulo Wanderley é considerada um risco para o esporte brasileiro. De acordo com o artigo 18A da Lei Pelé, as entidades esportivas só receberão recursos públicos caso seu presidente tenha, no máximo, dois mandatos, medida adotada para fomentar a alternância de poder e a democracia.
O parecer da Conjur do Ministério da Cidadania, órgão que era responsável pelo esporte durante o último governo, deixa claro que:
“Quando da entrada em vigor da Lei nº 12.868, de 2013, Vice-Presidente que, por vacância do cargo de presidente, ascende a esse posto e conclui o mandato pode concorrer a reeleição e exercer apenas mais um mandato consecutivo”.
O próprio estatuto do Comitê Olímpico do Brasil também defende que não deve haver a perpetuação de poder na entidade, como consta no artigo 38:
“O Presidente e o Vice-Presidente, eleitos pela Assembleia nos termos do artigo 29, inciso II, terão mandato de 4 (quatro) anos, permitida apenas 1 (uma) recondução, a iniciar-se na primeira quinzena do mês de janeiro do ano seguinte ao da eleição, sendo incompatível o exercício cumulativo do cargo com outro de direção de entidade nacional de administração do desporto”.
Riscos do 3º mandato de Paulo Wanderley
Caso Paulo Wanderley vença as eleições, os recursos públicos repassados ao Comitê Olímpico do Brasil podem ser bloqueados, se a interpretação for de que o atual presidente estaria iniciando um terceiro mandato, ignorando a Lei 12.868 de 2013.
Isso resultaria em uma crise no cenário esportivo nacional. Sem os recursos públicos e das loterias, por exemplo, COB e, consequentemente, confederações não terão verba para custear o desenvolvimento de seus atletas e das modalidades olímpicas num todo, fato que terá influência direta nos resultados conquistados neste novo ciclo olímpico que se inicia e também no desempenho do País nas Olimpíadas de Los Angeles, em 2028.
Para fazer valer seu terceiro mandato e evitar o bloqueio dos repasses públicos, Paulo Wanderley poderia ter de recorrer à Justiça, conseguindo uma liminar que legitimasse o recebimento dos recursos por parte do COB e, consequentemente, a distribuição às confederações.
Essa insegurança jurídica preocupa os dirigentes. Se antes o repasse de recursos públicos era dado como certo, com o terceiro mandato de Paulo Wanderley a condição financeira das confederações para custear viagens, períodos de treinamentos no exterior, investimento em infraestrutura, entre outras demandas, passa a ser uma incógnita.
Confederações temem represália
Por enquanto, o cenário é imprevisível. Parte das confederações, apoiadora de Paulo Wanderley, defende que o atual presidente cumpriu apenas um mandato, já que o primeiro foi substituindo o ex-presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman.
A outra parte das confederações reconhece que um possível terceiro mandato de Paulo Wanderley seria extremamente prejudicial para o esporte brasileiro. Muitos presidentes dessas entidades, contudo, preferem não se posicionar publicamente temendo represálias por parte do presidente do COB, caso ele seja reeleito.
O maior receio desses presidentes de confederações é o corte dos repasses ou um recebimento menor de recursos públicos como forma de represália pelo posicionamento contra a candidatura de Paulo Wanderley. Sem verba, essas entidades não poderão custear o desenvolvimento de suas modalidades no ciclo olímpico de Los Angeles 2028. Atletas não teriam condições de viajar para campeonatos, participar de períodos de treinamento fora do país, ter acesso a estruturas melhores para a prática do esporte, entre outros pontos.
O que pensa a Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil?
A Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil já se posicionou publicamente sobre a candidatura de Paulo Wanderley para um terceiro mandato. O grupo possui 19 dos 57 votos possíveis e será fundamental para o resultado das eleições deste ano.
A REGRA É CLARA: 3º mandato não vale!
Este ano tem eleições em Comitês e Confederações Olímpicas. E vale se atentar à regra, duramente conquistada, que tirou do poder os dirigentes que se perpetuavam por anos à frente destas entidades.
Para poderem receber recursos públicos e de loterias, Comitês e Confederações devem cumprir regras, como a de que seu presidente tenha um mandato de até 4 anos, sendo permitida uma única recondução.
Qualquer interpretação que viole este entendimento deve ser rechaçada de imediato pelas autoridades competentes!
A boa governança no esporte brasileiro deve finalmente prevalecer. Esta foi uma longa luta e grande conquista do movimento esportivo, e não aceitaremos retrocessos!
Terceiros mandatos para presidentes de Comitês e Confederações representam um risco ao movimento olímpico e à boa governança do esporte, pois sem o repasse de recursos públicos, desestrutura-se todo o financiamento que dá suporte às preparações esportivas e de atletas.
Basta de aventuras na condução esportiva!
Yane Marques, medalhista de bronze no pentatlo moderno em Londres 2012 e que integra a chapa de Marco La Porta como vice-presidente, fazia parte da Comissão de Atletas e deixou o grupo justamente para concorrer nessas eleições.
A tendência é que boa parte dos integrantes da Comissão de Atletas apoie a chapa composta por Marco La Porta e Yane Marques.
A defesa de Paulo Wanderley
O atual presidente do Comitê Olímpico do Brasil defende a legitimidade de sua candidatura e não acredita que sua possível vitória nas eleições colocará em risco a distribuição de recursos públicos federais às confederações esportivas.
“Essa tese que garante a reeleição do candidato Paulo Wanderley já foi analisada pelo poder judiciário algumas vezes. Em casos de outras confederações, nas confederações de levantamento de peso, tênis de mesa, ciclismo, ginástica, entre outras, tiveram processos semelhantes avaliados pelo poder judiciário e todas elas tiveram vitória no sentido que o presidente teria direito a esse “terceiro mandato”, porque não é um terceiro mandato. A Lei Pelé ou a Lei Geral do Desporto zera e cria um marco temporal”, disse o advogado de Paulo Wanderley, Dr. Marcelo Jucá, em entrevista à Gazeta Esportiva.
O principal argumento da defesa do atual presidente do COB é de que seu primeiro mandato não aconteceu graças a uma vitória em eleição para exercer o cargo. Paulo Wanderley era vice-presidente de Carlos Arthur Nuzman e foi alçado ao poder devido a circunstâncias extraordinárias, no caso, a prisão do então mandatário do comitê e, posteriormente, sua renúncia.
“O artigo 18A fala em reeleição, mas o mandato tampão, também através de jurisprudência consolidada, não configura uma eleição. Ele é advindo de uma circunstância extraordinária, ele não foi eleito para ser presidente, foi eleito para ser vice-presidente e, em razão de algo extraordinário, que foi a prisão do Nuzman e a renúncia dele, ele passou a exercer a função de presidente. Então, ali estava zerado. A primeira eleição dele ocorreu depois e agora seria sua primeira reeleição. A entidade é vetada de receber recursos públicos federais em caso de reeleição do seu dirigente, mas estamos muito tranquilos mesmo em relação a isso. Essa é a primeira reeleição do Paulo Wanderley”, prosseguiu.
O advogado Marcelo Jucá, inclusive, relata que em casos relativamente mais desfavoráveis, presidentes de confederações ganharam na Justiça o direito de receber recursos públicos mesmo estando no poder há décadas.
“O que aconteceu com essas confederações foi o seguinte: venceram a eleição, já que você não pode vetar a candidatura de ninguém. No caso da Confederação de Levantamento de Peso foi assim. Na calada da noite, na surdina, a oposição tentou uma medida do poder judiciário de plantão alegando essa questão do terceiro mandato, o que foi afastado pelo poder judiciário. Foi solicitada a certificação do Ministério do Esporte para receber esse recurso das loterias e ela foi negada através do parecer da Conjur. A partir daquele momento, nasceu um direito líquido e certo da entidade de pleitear [os recursos] no poder judiciário através de um mandado de segurança, alegando ilegalidade de um ato de uma entidade coautora. Um mandado de segurança não é uma ação comum, tem que estar muito claro, senão você não ganha a liminar. Ganhou-se a liminar em vários casos desses por haver o entendimento do direito líquido e certo”, afirmou.
“Tem caso de presidente que estava em exercício através de mandatos sucessivos desde a década de 1980. O que a Lei Pelé fala? Se dizia muito na imprensa que o fulano de tal, presidente de tal confederação, está há 30 anos no poder. Ele foi se reelegendo consecutivamente, sem parar. Quando chegou em 2014, veio a limitação da lei. Devem os mandatos anteriores serem contados? O mandato tampão pode ser contado? O mandato tampão do Paulo Wanderley é de três anos, nos casos das confederações eram mandatos que já vinham há 30 anos. A partir de 2014, ou seja, em 2016, no primeiro ciclo olímpico, zerou. Ele se elegeu em 2016 e teria direito a uma reeleição em 2020. O problema se deu em 2020. O Ministério da Cidadania [à época responsável pelo esporte] entendia como mandatos consecutivos, mas a tese jurídica vencedora entende que a Lei Pelé zerou os mandatos naquele momento, porque você pode prejudicar o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, principalmente o direito adquirido. Ele tem o direito adquirido de concorrer de forma zerada, que é justamente o que está acontecendo neste caso”, completou o Dr. Marcelo Jucá.
O estatuto do COB também condena a permanência de um dirigente por mais de dois mandatos. O artigo 38 deixa claro que é permitida apenas uma recondução do atual presidente, mas, de acordo com a defesa de Paulo Wanderley, isso não se aplica neste caso.
“O estatuto do COB fala que só pode uma recondução. Naquele momento, o estatuto do COB estabelece um marco para que isso não se repita daqui para frente. E aí vem a mesma sistemática. Ato jurídico perfeito. No sistema constitucional brasileiro não se prejudica o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Ele foi eleito para esse mandato tampão antes dessa alteração do estatuto. Então, não pode retroagir a mudança estatuária para prejudicá-lo”, concluiu.
O que pensa o Ministério do Esporte?
A reportagem procurou o Ministério do Esporte para ter um posicionamento sobre o processo eleitoral do Comitê Olímpico do Brasil, entretanto, até a data da reportagem não obteve resposta. Caso isso aconteça, o texto será atualizado.
Especialistas opinam
Ana Mizutori, advogada e mestre especializada em direito desportivo pela PUC-SP crê que o Comitê Olímpico do Brasil só corre sérios riscos de deixar de receber recursos públicos devido à possível reeleição de Paulo Wanderley, se o parecer da Conjur não for considerado.
Na visão da especialista, o primeiro mandato “tampão” de Paulo Wanderley pode ser invalidado como uma condução à presidência, até porque o artigo 18A deveria ser aplicado após o final do mandato de dirigentes que exerciam seus cargos durante a entrada em vigor do mesmo.
A especialista ainda lembra que, independentemente do que recomenda o parecer da Conjur, sua finalidade é apenas orientar e aconselhar a administração pública em questões legais. Ainda que seja técnico e respaldado com muita credibilidade, ele não tem força de lei.
Já o advogado Gustavo Lopes Pires de Souza, mestre em direito desportivo pela Universitat de Lleida, da Espanha, traçou um paralelo com a Lei das Sociedades Anônimas para a sua tese, já que não há jurisprudência consolidada em casos como o do Comitê Olímpico do Brasil.
De acordo com o artigo 150 da Lei das Sociedades Anônimas, que regula a sucessão de diretores e presidentes de empresas, em caso de vacância no cargo, o sucessor exercerá o cargo provisoriamente até uma nova assembleia e sua gestão não será considerada um mandato.
De acordo com o Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza, o primeiro mandato de Paulo Wanderley, que substituiu Carlos Arthur Nuzman em 2017 como presidente por circunstâncias extraordinárias, não foi decorrente de uma eleição presidencial. Apenas em 2020 ele concorreu para presidente. Desta forma, não é correto considerar que a primeira eleição que venceu foi uma recondução ao cargo.
Chapa adversária
Quem enfrentará Paulo Wanderley e seu vice, Alberto Maciel Júnior, serão Marco La Porta e Yane Marques.
La Porta foi vice-presidente de Paulo Wanderley nas eleições do COB de 2020, mas acabou deixando o cargo após desentendimentos com o atual mandatário e decidiu competir com ele pelo pleito neste ano.
Questionado sobre a candidatura de Paulo Wanderley para um terceiro mandato, Marco La Porta foi categórico.
“Isso impacta diretamente os atletas. Muitas confederações dependem desse recurso público. O não recebimento é não ter condições de levar para treinar, para competição. A gente ouve, se preocupa e milita para evitar isso”, disse em entrevista à Gazeta Esportiva.
Yane Marques, integra a chapa de La Porta como vice-presidente. A medalhista de bronze no pentatlo moderno em Londres 2012 se licenciou da Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil para participar das eleições e defende a alternância de poder, embora não queira se basear na parte jurídica para deslegitimar a candidatura de Paulo Wanderley.
“Nosso entendimento é esse. Somos a favor da oxigenação, da obediência às regras. Para a gente é muito claro. Chega a ser simples. Não corroboramos com o terceiro mandato, mas não estamos pensando muito nisso, tentamos ser propositivos, escutando muito, para acertarmos no nosso projeto”, comentou.
“Isso é uma decisão da Justiça, em última instância da Assembleia, que na hora de votar pode decidir isso. Não vamos entrar em briga jurídica nenhuma, isso cabe às autoridades, ao governo. Estamos fazendo uma campanha propositiva. [A candidatura do Paulo Wanderley] contraria o estatuto”, concluiu Marco La Porta.